Vivência e Consciência Corporal na Mulher


Tópico selecionado de "Novas Perspectivas em Ginecologia"


Nelson Soucasaux

Nelson Drawing 1977
 

Creio ser válido considerarmos que a mulher apresenta, de uma maneira geral, uma capacidade maior de vivenciar o seu próprio corpo do que o homem. Isto implica na existência, no sexo feminino, de uma consciência corporal bem mais desenvolvida, havendo uma maior integração mente-corpo. Na clínica ginecológica, tal fato é de grande importância por predispor a mulher à uma intensa projeção de conflitos emocionais nos seus órgãos sexuais e funções correlatas. Sob o ponto de vista psico-sexual, ele faz com que o componente auto-erótico e narcísico da sexualidade feminina seja muito acentuado, resultando também no fato de a mulher ter, em boa parte, o seu próprio corpo como objeto sexual de si mesma. Isto cria, na mulher, um erotismo de natureza "centrípeta", no qual ela própria é o "centro".

A própria natureza feminina faz com que haja uma autopercepção corpórea e psicofísica muito desenvolvida. O característico narcisismo feminino relativo ao próprio corpo, a grande preocupação das mulheres mais sofisticadas e sensíveis com a sua estética pessoal ( que de muito suplanta a preocupação correspondente existente nos homens ), o extremo empenho que elas têm em se embelezarem - tudo isto já torna bastante evidente a intensa ligação da mulher com a sua natureza corpórea. Porém, antes mesmo disto, várias características fisiológicas do sexo feminino ( dentre elas, as consequências diretas e indiretas das ações cíclicas dos hormônios ovarianos ) já obrigam a mulher a concentrar sua atenção no que se passa em seu organismo.

Por diferentes razões de ordem fisiológica, ela é levada a atentar constantemente para a intimidade do seu corpo e para a sua sexualidade. As diversas sensações que precedem a menstruação ( desde o frequente molímen pré-menstrual até a tensão pré-menstrual franca ), a própria vivência do sangramento menstrual ( com ou sem cólicas uterinas ), as secreções genitais, as alterações psíquicas ligadas à fase do ciclo, a complexidade da resposta sexual feminina, a consciência de que, uma vez em vida sexual ativa, poderá ocorrer uma gravidez, o que cria uma preocupação constante em evitar uma gestação não desejada - tudo isto "liga" a mulher intensamente ao seu corpo. Ocorrendo uma gravidez, esta é mais uma condição de intensa vivência corpórea e orgânica.

O corpo feminino é muito "carregado" libidinalmente por nele se produzirem inúmeras sensações e vivências especificamente ligadas à sexualidade. Isto faz com que o mesmo seja um alvo fácil para as somatizações da problemática emocional da mulher. Assim, sintomas fisiológicos podem ser exacerbados, e diversas disfunções e mesmo doenças podem surgir. Quando alguém concentra maior atenção em determinadas partes ou funções corporais, não só enriquece sua capacidade de perceber as sensações que aí se produzem, como também pode acabar adquirindo ( em graus maiores ou menores ) uma certa capacidade de interferir subconscientemente nessas funções. Se surgirem preocupações ou fixações neuróticas relativas às mesmas, diversas perturbações poderão ocorrer através das vias psicossomáticas, formando um ciclo vicioso.

A mulher dirige uma parte muito maior da sua libido para o próprio corpo do que o homem, e, como vimos, existem inclusive importantes razões de ordem fisiológica para tal. Quero deixar claro que emprego o conceito de libido próximo do proposto por C.G. Jung, referente à energia psíquica total, e não no sentido freudiano, que considera a libido como exclusivamente sexual. Para evitar confusões conceituais, quando falo na intensa vivência corporal característica da mulher, é fundamental que se compreenda que toda vivência e experiência considerada e experimentada como "corpórea" é, na realidade, uma vivência psicológica referida ao corpo. Toda experiência humana é, sempre, na sua essência, psicológica, visto que, fenomenologicamente, se passa nos domínios do psiquismo.

Assim, digo que as mulheres têm uma vivência psicológica de seus corpos muito mais intensa que os homens porque elas concentram uma intensidade muito grande da sua energia mental ( libido ) na atenção dirigida para diversos aspectos da sua constituição física. O evidente componente narcisista e até mesmo auto-erótico típico da maioria das mulheres, aliado a outras características da sua sexualidade, permite que, do ponto de vista filosófico, consideremos a estas como sendo e possuindo aquilo que poderíamos chamar de o "corpo erótico" por natureza. No corpo feminino também há uma quantidade muito maior de zonas erógenas do que no masculino e, de certa forma, podemos dizer que, em graus maiores ou menores, quase todo o corpo da mulher funciona como um órgão sexual.

A este respeito cabe aqui observarmos que, na mulher, o sentido físico que parece ter primazia em despertar o desejo sexual é o tato - diferentemente do homem, que tem o seu desejo despertado pela visão. Em termos simbólicos, Julius Evola, no seu livro "A Metafísica do Sexo", chama a atenção para "...o sentido profundo do símbolo que tem o fato anatômico-somático de, enquanto os órgãos sexuais aparecem no homem como algo circunscrito, separado e quase como que acrescentado do exterior ao resto do corpo, esses órgãos encontram-se na mulher em profundidade, no mais íntimo do seu corpo" ( Evola, J. - "A Metafísica do Sexo", Edições Afrodite, Portugal, 1976 ). Apesar de esta ser uma observação simbólica, não podemos desprezar a enorme importância dos símbolos para a psique humana. Os grandiosos trabalhos de C.G.Jung estão aí para demonstrar o extraordinário valor psicológico dos símbolos.



Nelson Soucasaux é ginecologista dedicado à Ginecologia Clínica, Preventiva e Psicossomática. Formado em 1974 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autor de diversos trabalhos publicados em revistas médicas, e dos livros "Novas Perspectivas em Ginecologia" e "Os Órgãos Sexuais Femininos: Forma, Função, Símbolo e Arquétipo" , publicados pela Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, 1993.





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Email: nelsons@nelsonginecologia.med.br