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Como é sabido, os estrogênios são os fatores hormonais de maior importância na maturação sexual da mulher e na preservação das características físicas da feminilidade. Dada a sua multiplicidade de efeitos sobre o organismo feminino, são eles que modelam o corpo da mulher. Isto porque, além das suas ações tróficas específicas sobre os órgãos sexuais femininos, os estrogênios também são os principais responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção de muitos dos demais caracteres sexuais da mulher. Como nela a fonte básica destes hormônios são os ovários, a importância destes órgãos para o sexo feminino é obviamente enorme *. Porém, lamentavelmente, a natureza não levou isto em consideração ao fazer dos ovários órgãos que se esgotam em torno dos 50 anos de idade. De fato, esta depleção da população folicular dos ovários começa bem cedo ainda na vida embrionária, continua através da infância, aumenta ao longo de cada ciclo ovariano durante o menacme, e termina na menopausa. Ao programar as gônadas femininas, parece que a natureza não deu a devida atenção à função endócrina das mesmas, tendo apenas se preocupado com a reprodutora. Que a função reprodutiva dos ovários tenha duração limitada ao longo da vida é perfeitamente compreensível. No entanto, o mesmo não pode ser dito da sua função endócrina, devido ao efeito desastroso que a privação estrogênica tem sobre o corpo feminino. Como já observei no meu livro "Novas Perspectivas em Ginecologia", em relação à função ovariana a natureza preparou uma traição toda especial para a mulher: é a forma de envelhecimento dos ovários, que de muito difere da dos demais órgãos do corpo. Como já vimos, as gônadas femininas não apenas envelhecem, mas literalmente se consomem e se esgotam, em decorrência do gradual e inexorável desaparecimento das suas estruturas funcionais, que são os folículos ovarianos. Nos folículos ovarianos as funções endócrina e germinativa estão vinculadas histológica e funcionalmente, pois são as células granulosas e tecais que envolvem os ovócitos as principais responsáveis pela síntese estrogênica. Estes folículos são unidades endócrino-germinativas de duração limitada ( os que duram mais não passam dos 50 anos ), que podem ou não cumprir todo o seu ciclo de evolução e que são incapazes de dar origem a novos folículos. Pouquíssimos atingem o pleno desenvolvimento, conseguindo produzir altos níveis de estrogênios, ovular e luteinizar-se. A imensa maioria deles está condenada à regressão e ao desaparecimento através do processo da atresia ou morte folicular antes mesmo de chegarem a completar o primeiro ou o segundo estágio de crescimento. O desperdício de folículos ao longo da vida da mulher é fantástico, e a função endócrina ovariana é que perde com isto. Como a formação de novos folículos é impossível por razões ligadas à própria embriologia dos ovários, este fato leva ao esgotamento definitivo das gônadas femininas em torno dos 50 anos e, consequentemente, à menopausa. Considerando-se a enorme sobrecarga anatômica e fisiológica que a gravidez e o parto impõem à mulher, a natureza teve as suas razões para terminar a vida reprodutiva feminina antes dos 50 anos. Porém, ela cometeu um grande erro ao fazer com que a produção de estrogênios pelos ovários também decline e cesse a partir desta época, acarretando uma rápida atrofia dos genitais, das mamas e dos demais caracteres sexuais femininos. A principal falha da natureza em relação às gônadas da mulher é exatamente a já citada vinculação anatômica e funcional das estruturas endócrinas e germinativas ovarianas nas mesmas unidades funcionais. Com o esgotamento da população folicular dos ovários, tanto a função reprodutiva como a endócrina cessam **. Apenas o estroma ovariano ainda mantém alguma capacidade de produção hormonal. Mesmo durante o período fértil da vida da mulher, na maior parte do tempo os ovários são muito mais importantes como fontes de estrogênios do que de óvulos, uma vez que estes hormônios são os principais fatores tróficos de tudo o que é feminino no corpo desta. Além do mais, é um fato que a imensa maioria principalmente das mulheres modernas apenas deseja engravidar e ter filhos, assim como o faz, em pouquíssimos momentos no todo de suas vidas. Na maior parte de seus menacmes, a gravidez é indesejada e evitada, e caso ocorra por acidente ou descuido, é quase sempre interrompida através do abortamento provocado. Levando-se isto em consideração, sem querer negar a óbvia importância da função reprodutiva ovariana, creio que é válido considerarmos a endócrina como sendo a mais importante ao longo da maior parte da existência feminina. Além do mais, no que se refere às necessidades reprodutivas da maioria das mulheres, pode-se dizer que, em condições de fertilidade normal, os ovários cumprem satisfatoriamente esta função. Já o mesmo não pode ser dito da sua função endócrina, que cessa bruscamente em torno dos 50 anos de idade, deixando a mulher a partir daí em séria deficiência estrogênica. As terríveis consequências deste evento "fisiológico" para a mulher são sobejamente conhecidas, devido à rápida atrofia pós-menopáusica de seus tecidos estrogênio-dependentes - os órgãos sexuais e demais caracteres físicos da feminilidade. Felizmente, os recentes avanços na terapia de reposição hormonal parecem apresentar novas perspectivas para a mulher na menopausa e pós-menopausa, procurando contrabalançar, pelo menos em parte, esta traição perpetrada pela natureza contra o sexo feminino. Quero deixar claro que digo "procurando contrabalançar, pelo menos em parte" porque, obviamente, não há nenhum tratamento hormonal que possa parar ou prevenir o envelhecimento, e a menopausa normal é um evento associado ao envelhecer. Devo também enfatizar que todos os tipos de tratamento hormonal na menopausa devem ser feitos com muita cautela e sob constante acompanhamento médico. Uma atenção toda especial deve ser dada às mamas e ao endométrio. Nota 1: * Apesar de na vida embrionária os ovários não serem os fatores determinantes da diferenciação sexual dos genitais femininos ( a feminização do embrião é espontânea na ausência de testículos e de adequada ação androgênica ), a importância das gônadas femininas na vida pós-natal é fundamental para a maturação sexual da mulher e para o trofismo de todos os tecidos tipicamente femininos do seu corpo. Nota 2: ** Esta é uma desvantagem das gônadas femininas em relação às masculinas. No homem, as células testiculares que produzem androgênios são independentes histologicamente das células germinativas, que dão origem aos espermatozóides. Devido a isto, a função endócrina testicular é autônoma em relação à reprodutiva. Na realidade não existe propriamente uma "andropausa"; os testículos não se esgotam, e o seu envelhecimento é muito lento, tanto no que se refere à função endócrina quanto à reprodutiva.
Nelson Soucasaux
é ginecologista, dedicado à Ginecologia Clínica,
Preventiva e Psicossomática. Formado em 1974 pela Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autor de
diversos trabalhos publicados em revistas médicas, e dos livros
"Novas Perspectivas em Ginecologia"
e "Os Órgãos Sexuais Femininos:
Forma, Função, Símbolo e Arquétipo",
publicados pela Imago Editora, Rio de Janeiro, 1990, 1993. [ Home
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