As Curiosas Relações entre Androgênios e Estrogênios na Mulher

( Trecho adaptado de "Os Órgãos Sexuais Femininos" )

Nelson Soucasaux



Nelson Drawing 1977

O objetivo deste texto é apresentar e comentar alguns aspectos das extremamente curiosas relações existentes entre hormônios masculinos e femininos na mulher. Como observei no meu livro "Os Órgãos Sexuais Femininos: Forma, Função, Símbolo e Arquétipo", na mulher, devido a uma peculiaridade bioquímica toda especial, os hormônios femininos ( estrogênios ) são produzidos tendo hormônios masculinos ( androgênios ) como precursores. De certa forma, podemos considerar este evento fisiológico como um tanto problemático para a mulher, por ser ele um dos fatores responsáveis pelo fenômeno da atresia ou morte folicular. Esta afirmativa é válida porque, do nascimento até em torno dos 50 anos, a atresia folicular é a principal causa do completo esgotamento da originalmente enorme população folicular dos ovários - esgotamento este que resulta na menopausa.

O fato dos estrogênios serem produzidos pelos ovários tendo androgênios como precursores obriga a mulher a primeiro ter de produzir hormônios masculinos para, subseqüentemente, transformá-los em hormônios femininos. Como já observei anteriormente, esta peculiaridade bioquímica parece ser uma importante causa da atresia ( morte ) da grande maioria dos folículos ovarianos que iniciam o seu desenvolvimento, levando, ao longo do tempo, ao completo esgotamento dos ovários em torno dos 50 anos. Nos folículos ovarianos, o acúmulo de androgênios produzidos pela teca folicular quando eles não são adequadamente transformados em estrogênios pelas células granulosas parece exercer um efeito inibitório sobre as estruturas foliculares, fazendo com que os folículos entrem em atresia e morram ( Nota 1 ). Feitas estas considerações iniciais, passemos então a uma análise sucinta das principais etapas da síntese dos hormônios sexuais nos ovários:


 

Como podemos constatar, a progesterona é o primeiro esteróide sexual de importância a ser formado. Mais adiante vêm os androgênios ( dehidroepiandrosterona, androstenediona e testosterona ), e só no final surgem os estrogênios ( estrona e estradiol ). Estes se formam diretamente a partir dos androgênios, através de um processo bioquímico de aromatização. Por isto, as enzimas que efetuam a transformação da androstenediona em estrona e da testosterona em estradiol são conhecidas simplificadamente como "aromatases".

As relações entre as respectivas potências biológicas dos androgênios e estrogênios envolvidos nesta cadeia biossintética e as posições que eles ocupam na mesma são também dignas de nota. A dehidroepiandrosterona é um androgênio de baixíssima potência biológica. A androstenediona, que é precursora imediata da testosterona, tem 20% da potência desta. A testosterona é o mais potente androgênio produzido nos ovários ( Nota 2 ). Assim, podemos constatar que a biossíntese dos hormônios masculinos segue uma ordem crescente de potência. No entanto, os estrogênios que surgem logo a seguir ( estrona e estradiol ) já são dotados de uma enorme potência biológica. Comparados com relação às suas respectivas potências, veremos que a estrona e o estradiol, quantidade por quantidade, são muito mais potentes que a androstenediona e a testosterona ( Nota 3 ).

É fácil compreendermos por que os estrogênios são tão potentes. Uma vez que boa parte da androstenediona e da testosterona não chega a ser convertida respectivamente em estrona e estradiol, esta altíssima potência dos estrogênios torna-se uma necessidade biológica da mulher. Isto porque a natureza feminina tem que se proteger contra os riscos de uma deficiente conversão de androgênios em estrogênios. Neste sentido, outro mecanismo de defesa que a mulher possui reside na capacidade que o seu tecido adiposo apresenta de efetuar a conversão periférica da androstenediona em estrona. Devido a isto, uma parte variável da estrona produzida no organismo feminino não vem dos ovários, e sim do tecido gorduroso. Por conseguinte, o tecido adiposo contido no corpo da mulher desempenha um importante papel na fisiologia endócrina feminina, e este é mais um motivo para aconselharmos as mulheres a manterem seu pêso dentro do normal ( Nota 4 ).

Quanto ao nosso tema principal, filosoficamente podemos dizer que, ao nível puramente hormonal, os estrogênios são a principal forma endócrina através da qual o princípio feminino se manifesta, e os androgênios a forma endócrina através da qual o princípio masculino se manifesta. Assim, tudo indica que, na mulher, a plena manifestação endócrina do princípio feminino que a caracteriza está, paradoxalmente, na dependência de uma sutil manifestação endócrina do princípio masculino.

Do ponto de vista da psicologia arquetípica, talvez o fato de os estrogênios serem produzidos tendo os androgênios como precursores seja uma das explicações para a antiga idéia mitológica segundo a qual a mulher teria sido criada a partir do homem.

Nota 1: Nos folículos ovarianos em crescimento a síntese estrogênica se dá em dois estágios básicos, o primeiro ocorrendo nas células tecais e o segundo nas granulosas. Os androgênios são produzidos pelas células da teca sob o estímulo do LH ( hormônio luteinizante ). Já as células da granulosa, sob a estimulação do FSH ( hormônio folículo estimulante ), transformam os androgênios produzidos pelas células da teca em estrogênios. ( Cada folículo ovariano em desenvolvimento é constituido por um ovócito circundado por várias camadas de células granulosas e tecais que proliferam à sua volta e produzem os hormônios sexuais. )

Nota 2 : Existe uma conversão periférica da androstenediona e da testosterona em outro androgênio, que é a dihidrotestosterona. Esta conversão se dá nos tecidos sensíveis aos hormônios masculinos. A dihidrotestosterona é o mais potente de todos os androgênios, e o que realmente estimula a maioria dos androgênio-receptores existentes no corpo de mulheres e homens. Como tanto na mulher como no homem a dihidrotestosterona é um produto exclusivo de conversão periférica, ela não é secretada nem pelas gônadas nem pelas supra-renais.

Nota 3 : Devemos lembrar que também há um estrogênio fraco circulando no organismo feminino, o estriol. No entanto, o estriol já é um produto final do metabolismo estrogênico.

Nota 4: Pelo outro lado, a típica distribuição do tecido gorduroso subcutâneo ao longo do corpo da mulher se deve à ação dos estrogênios, constituindo mais um importante e notório caracter sexual feminino. Ainda com relação ao tecido gorduroso na mulher, também há alguns estudos recentes tentando estabelecer uma correlação entre a idade da menarca e o percentual deste tecido no corpo da adolescente.



Nelson Soucasaux é ginecologista dedicado à Ginecologia Clínica, Preventiva e Psicossomática. Formado em 1974 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autor de diversos trabalhos publicados em revistas médicas e dos livros "Novas Perspectivas em Ginecologia" e "Os Órgãos Sexuais Femininos: Forma, Função, Símbolo e Arquétipo", publicados pela Imago Editora, 1990, 1993.





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Email: nelsons@nelsonginecologia.med.br